Lá pra 1870, lia-se nos jornais uma humanidade com as
mesmas crueldades e ridicularidades de sempre, mas uma sociedade diferente. É
evidente que os jornais exprimem a sociedade de suas épocas, e em 1870 via-se
uma humanidade egoísta e vil, que busca os próprios interesses e pisa no
semelhante para alcançar seja lá o que queira. Os “classificados” da época
anunciavam vendas de escravos, humanos como mercadoria, e exaltavam os
latifundiários, que matavam por uma porção de terra que nem usariam.
Algumas décadas à frente, os jornais já não falavam de
Reinado ou escravos. A humanidade evoluía rápido. A física avançava, a
indústria crescia, os sobrados viravam prédios. Contudo, a escravidão
permaneceu disfarçada, os operários e soldados pouco recebiam pelo que muito
faziam, e pouco viviam para o que muito trabalhavam. A humanidade evoluiu mais,
os direitos trabalhistas vieram assentar a poeira levantada por essa nova forma
de conduzir o mundo. Mas ainda o ser humano era visto como mercadoria para
aqueles que muito possuíam. Já matava-se por uns dinheiros que permitiriam um
torpor que levaria os esquecidos a esquecer o peso da sola que tinham neles
pisado.
Preferiu-se o lucro à sustentabilidade e logo os jornais
começaram a falar de clima, de água, de lixo. A humanidade crescia, e não havia
mais quem a ensinasse a trocar as próprias fraldas, e quanta fralda, meu Deus!
Fruto dos primeiros a evoluir? Ou frutos dos que apenas
copiavam a busca pela própria tranquilidade, conforto e boa posição e não
souberam, ou não quiseram, evoluir?
Daí, os jornais descortinaram a completa futilidade humana.
Não se lia mais sobre avanços da ciência, mas sobre a patética trajetória da
moça seminua da capa, encimada por uma manchete que era uma frase de duplo
sentido a letras garrafais.
“VENHA, OLHE ESSA BUNDA, LIBERTE SEU INSTINTO, COMPRE E ME
DÊ DINHEIRO”
E como acumulam-se e somam-se cada vez mais as notícias de
morte, e roubo, e estupro, e escândalos, e banalização da vulgaridade e
sodomia, além da falta de soluções para os problemas gerados pela sociedade que
não aprendeu a evoluir, a forma de vender sem ser repetitivo, como os jornais
têm (superficialmente) se tornado nos últimos vinte anos, é tratando disso com
deboche. Por que, além da moça que vende a própria imagem na capa feito doce de
vitrine de padaria, o leitor pode também rir da prisão de algum pedófilo, de um
assassinato dum bandido... Aliás, editores e redatores de meio real, sejam
gratos aos pedófilos e bandidos, o que venderiam sem eles e as bundas?
Ah, sim. Evoluímos, claro. Agora temos telefone, televisão,
internet, correio, câmera, jogos, rádio, toca discos, tudo num aparelho menor
que um cartão de aniversário. “Veio aqui em casa só pra me falar isso? Podia
ter mandado mensagem não?” É... evoluímos.
No fim das contas, foi sempre por dinheiro. Vende-se de
tudo, até barato, enriquecendo um e outro enquanto pagamos quase dez reais numa
bebida que faz mal. Enfraquecem-se os ossos, esvazia-se a carteira e mantém-se
o império de alguma meia-dúzia de ricos associados.
E dessa forma, diferente dos poderosos que pagavam pelos
escravos, a humanidade que sustenta esses magnatas acaba pagando pela própria
escravidão. Seja por uma TV que pifa em poucos anos para que se compre outra,
seja em mover-se pelos instintos reprodutivos, seja pelo incompreensível prazer
no vício das telinhas de LED que dispensam sorrisos e apertos de mão nas
“relações” humanas.
E os jornais mostram que quanto mais o humano tenta ser
grandioso, mais ele prova ser fútil.
Anderson Câmara
25/09/2014
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