quinta-feira, 23 de outubro de 2014

(mais) Um rápido pensamento sobre a futilidade humana e seus jornais. (crônica)



Lá pra 1870, lia-se nos jornais uma humanidade com as mesmas crueldades e ridicularidades de sempre, mas uma sociedade diferente. É evidente que os jornais exprimem a sociedade de suas épocas, e em 1870 via-se uma humanidade egoísta e vil, que busca os próprios interesses e pisa no semelhante para alcançar seja lá o que queira. Os “classificados” da época anunciavam vendas de escravos, humanos como mercadoria, e exaltavam os latifundiários, que matavam por uma porção de terra que nem usariam.
Algumas décadas à frente, os jornais já não falavam de Reinado ou escravos. A humanidade evoluía rápido. A física avançava, a indústria crescia, os sobrados viravam prédios. Contudo, a escravidão permaneceu disfarçada, os operários e soldados pouco recebiam pelo que muito faziam, e pouco viviam para o que muito trabalhavam. A humanidade evoluiu mais, os direitos trabalhistas vieram assentar a poeira levantada por essa nova forma de conduzir o mundo. Mas ainda o ser humano era visto como mercadoria para aqueles que muito possuíam. Já matava-se por uns dinheiros que permitiriam um torpor que levaria os esquecidos a esquecer o peso da sola que tinham neles pisado.
Preferiu-se o lucro à sustentabilidade e logo os jornais começaram a falar de clima, de água, de lixo. A humanidade crescia, e não havia mais quem a ensinasse a trocar as próprias fraldas, e quanta fralda, meu Deus!
Fruto dos primeiros a evoluir? Ou frutos dos que apenas copiavam a busca pela própria tranquilidade, conforto e boa posição e não souberam, ou não quiseram, evoluir?
Daí, os jornais descortinaram a completa futilidade humana. Não se lia mais sobre avanços da ciência, mas sobre a patética trajetória da moça seminua da capa, encimada por uma manchete que era uma frase de duplo sentido a letras garrafais.
“VENHA, OLHE ESSA BUNDA, LIBERTE SEU INSTINTO, COMPRE E ME DÊ DINHEIRO”
E como acumulam-se e somam-se cada vez mais as notícias de morte, e roubo, e estupro, e escândalos, e banalização da vulgaridade e sodomia, além da falta de soluções para os problemas gerados pela sociedade que não aprendeu a evoluir, a forma de vender sem ser repetitivo, como os jornais têm (superficialmente) se tornado nos últimos vinte anos, é tratando disso com deboche. Por que, além da moça que vende a própria imagem na capa feito doce de vitrine de padaria, o leitor pode também rir da prisão de algum pedófilo, de um assassinato dum bandido... Aliás, editores e redatores de meio real, sejam gratos aos pedófilos e bandidos, o que venderiam sem eles e as bundas?
Ah, sim. Evoluímos, claro. Agora temos telefone, televisão, internet, correio, câmera, jogos, rádio, toca discos, tudo num aparelho menor que um cartão de aniversário. “Veio aqui em casa só pra me falar isso? Podia ter mandado mensagem não?” É... evoluímos.
No fim das contas, foi sempre por dinheiro. Vende-se de tudo, até barato, enriquecendo um e outro enquanto pagamos quase dez reais numa bebida que faz mal. Enfraquecem-se os ossos, esvazia-se a carteira e mantém-se o império de alguma meia-dúzia de ricos associados.
E dessa forma, diferente dos poderosos que pagavam pelos escravos, a humanidade que sustenta esses magnatas acaba pagando pela própria escravidão. Seja por uma TV que pifa em poucos anos para que se compre outra, seja em mover-se pelos instintos reprodutivos, seja pelo incompreensível prazer no vício das telinhas de LED que dispensam sorrisos e apertos de mão nas “relações” humanas.
E os jornais mostram que quanto mais o humano tenta ser grandioso, mais ele prova ser fútil.

Anderson Câmara
25/09/2014

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