sexta-feira, 25 de julho de 2014

Escrever é...

É falar de si mesmo e, quando for lido, soar como se falasse do leitor.
É abusar dos absurdos, transformá-los em belos e admiráveis.
É pintar um quadro a cada parágrafo.
É sobreviver no meio da esterilidade do mundo escravo de rotinas.
É denunciar a futilidade do atual e preservar a antiga beleza.
É ver-se perseguido pela própria criação; diálogos súbitos e personagens teimosos.
É também sentir-se lamentavelmente abandonado quando elas não vêm.
É ser namorado da poesia.
É ser amante das metáforas.
É ser amigo das comparações. 
É saber que isso aqui não é um poema...
É também dizer que isso aqui é sim poesia...
É fazer as duas últimas serem verdadeiras.
É isso, escrever...

25 de Julho, dia do Escritor. :)

sábado, 19 de julho de 2014

Fotografia também é arte, né?










Sobre a poesia...

Não penso que poesia seja o tipo de literatura que se avalie como boa, ruim, superior... A poesia é o reflexo da alma de um artista. A capacidade de construir poemas não é o que engrandece um poeta, e sim a capacidade de traduzir seus pensamentos, ideias e sentimentos, e fazer isso ser identificável e personificado pelo leitor, em palavras. Uma receita de sopa pode ser contada com métrica e rima, qualquer um pode construir um poema, teoricamente. Mas escrever os próprios sentimentos e fazer inúmeras gerações repetirem essas palavras como se lhes pertencessem, como se o poeta falasse deles, é tarefa para os grandes nomes da literatura... E
também para uns poetas ainda desconhecidos. Rs

quarta-feira, 16 de julho de 2014

FTS




Nada e Tudo

Duas coisas o fizeram despertar: o sol que incidia sobre ele e o incômodo de estar deitado sobre uma superfície rígida. Ele abriu os olhos semicerrados e viu um céu claro, azul e cheio de belas nuvens brancas. Se levantou, pondo-se sentado.
Sabe quando dormimos na casa de um amigo e acordamos confusos, estranhando o lugar e meio que sem saber como chegamos lá? Ele teve esta sensação de uma forma aterradora quando se viu numa canoa balançando no meio do mar. Dormira no fundo do pequeno barco e flutuava sozinho, cercado de horizontes iguais. Água para todos os lados em que olhava.
Antes de se desesperar ele se lembrou de como viera parar ali. Era uma pequena canoa de pescador, que seu pai usava para pescar numa pequena lagoa que tinha uma abertura para o mar. Lembrava-se de estar na casa de veraneio da família, com seus pais e irmãos, e de ter ido, no fim da tarde, pegar um peixe para a janta. Pegara o peixe e o levara para casa, e resolvera se deitar na canoa para cochilar enquanto a janta não saía.
- Não devo ter dado direito o nó. – disse ele quando viu a corda mergulhada na água ainda amarrada à proa da embarcação.
Aí sim, veio o desespero.
- Meu Deus! – ele exclamou levando as mãos à cabeça. Olhou para todas as direções buscando algum detalhe antes desapercebido na paisagem, como a massa escura da terra no horizonte ou alguma outra embarcação, mas só havia água, tocando o céu azul para onde quer que olhasse.
Sentiu seu coração batendo forte, suava e tremia, respirando pesadamente.
- Meu Deus, como isso aconteceu? O que eu vou fazer agora?
Pôs- se de pé na canoa e esta quase emborcou. Era uma embarcação pequena e instável. A angústia ao pensar em histórias de homens que sumiram no mar o invadiu, o medo de se tornar mais uma dessas histórias o subjugou e ele se lançou novamente no fundo frio da canoa, sentado, as mãos segurando com força as duas bordas.
Pensou em sua família, sabia que seus pais estariam desesperados como ele diante do desaparecimento de seu filho. A pequena vila devia estar sob um total alvoroço, e provavelmente muitos pescadores se lançariam ao mar a fim de procurá-lo, pensou ele, não deviam demorar para encontra-lo.
Pensou, mas logo notou que era a coisa mais confortável de pensar. Sabia que era uma possibilidade bem possível, mas se surpreendeu ao ver como sua mente se satisfazia com simples ilusões.
Ouvira o caso de um grupo de pescadores que ficou muitos dias à deriva por que seu motor falhara, foram encontrados por um navio mercante a setecentas milhas da costa. Um barco grande, com mastro e bandeiras, e uma tripulação eficiente, passaram um mês no mar, a meio Brasil de distância da cidade de onde tinham saído. O que dizer de um jovem pedreiro dentro de uma minúscula e insignificante canoa? Tudo o que tinha era uma caixa com anzóis e um rolo de linha.
Desejou, tal qual uma criança assustada, estar com sua família. O firme e seguro chão da sala e as vozes de seus irmãos mais novos. Era onde se sentia completo, no seio de sua família, as únicas pessoas da Terra que fariam tudo por ele sem se incomodar com esforços.
No meio de seus vislumbres de miséria ele se entristeceu muito pensando em sua bela e simpática, carinhosa e sábia namorada. A quem pretendia propor casamento no fim daquele ano, durante as festas. Ao ver a possibilidade de não sobreviver àquela situação, a amargura pousou nele como um agourento abutre que aguarda a morte de uma presa que definha.
No emaranhado de pensamentos, emoções e sentimentos daquele jovem não se encontrava nada mais deplorável e lamentável que a ideia de não se casar com a moça, de nunca mais poder olhar seu sorriso e segurar suas mãos. De nunca mais abraça-la com a certeza de que era capaz de enfrentar tudo para protegê-la e já não mais encontrar refúgio naqueles olhos cheios de amor.
- Ela é tudo pra mim, meu Deus.

Depois do desespero e das lágrimas as emoções apaziguaram-se e o jovem percebeu que tinha fome e sede. Também não havia como se proteger do sol castigador, e nem alguma maneira de hidratar-se. Com o sol a pino ele se deitou no fundo da canoa, sentindo um nó na garganta, e estendeu sua camisa aberta sobre os lados estreitos da proa.
Sob a tenda improvisada, a sensação de queimação da pele, acentuada pela maresia, era aliviada, mas o brilho ofuscante do meio dia transpassava o tecido fino. O ar estava quente ali embaixo, e ele sentiu-se novamente tomado pelo terror quando percebeu que não duraria metade de um mês naquelas condições. Ou nem uma semana.
Depois de chorar por quase uma hora, bebendo suas próprias lágrimas débeis, ele adormeceu. Não dormiu, na verdade. Apenas aquele estado semiconsciente em que temos percepções bem nítidas do que acontece no real e no irreal, em que os elementos destes dois mundos se misturam.
Ele não soube exatamente o que o fez despertar, se foi o muito alto rugido do seu estômago ou a percepção que lhe surgiu abruptamente.
- Eu tenho remos! – ele gritou arrancando a tenda e apanhando dois pequenos remos no fundo da canoa.
Encaixou-os nos suportes e se entregou ao impetuoso esforço. O ânimo o fazia sorrir, ou talvez sorrisse por se sentir estúpido. Como não se lembrara antes? E ele remava bem, a água quase não se agitava e a canoa deslizava pelas águas tranquilas.
Durou pouco, a euforia, pois logo ele se deu conta de que não tinha ideia de para que direção devia remar. Podia estar se aproximando da costa ou inutilmente estar aproado para a África. Não sabia se remando para onde o sol se punha chegaria realmente a algum lugar, pois seria inútil remar preso a uma corrente marítima.
O sorriso desapareceu e os braços pesaram. Largou os remos e se jogou novamente no fundo da canoa. Queria muito, como qualquer um, que fosse encontrado, que estivesse vivo quando o encontrassem, mas naquele momento, não se importou.
Novamente durou pouco. Quando a fome chegou outra vez, percebeu que não estava desolado a ponto de suportar aquilo até morrer.
- Preciso voltar vivo para ela, ela é tudo pra mim. – disse ele quando decidiu ficar com os olhos no horizonte que o cercava, buscando avistar qualquer coisa.
Então três palavras surgiram na sua mente, mais firmes que seus próprios pensamentos:
“Minha graça te basta.”
Sentiu-se acordado, como se mergulhasse na água fria, e ao mesmo tempo, constrangido. As palavras ecoavam dentro dele, e ele se escondeu novamente sob a tenda improvisada.

Desespero, lamentos, euforia e decepção, então, tédio. Já estava exausto tanto esperar, dormir e acordar, sentir fome, cansar-se da fome, chorar, pensar freneticamente, cansar de pensar e finalmente se levantou do fundo da canoa.
Se colocou de pé, numa postura que equilibrava seu peso para os dois bordos da canoa. A noite brotava no leste e o dia resistia às costas do jovem. O sol partia e ele estava diante de um desafio totalmente adverso que ele nem imaginava que estivesse para encarar: o frio da noite.
Ainda de pé, observando o gradativo escurecer do céu, vestiu a camisa. Uma luz brilhou no centro da jovem noite que vinha do oeste, ínfima, minúscula, o bastante para ser identificada como uma estrela. Mas ficou claro para o desolado e esperançoso jovem que não era uma estrela, estrelas não se movem lentamente junto à linha do horizonte.
- Ei! – gritou ele com os braços para o alto, sem se importar com o fato de que ninguém ouviria o grito, e sem saber que o sol se punha às suas costas e seria impossível que alguém no navio o enxergasse.
Tirou a camisa com tanta pressa que arrebentou dois botões, gritou com tanta força que sentiu gosto de sangue, agitou-se tanto, balançando a camisa sobre a cabeça, que se desequilibrou e caiu na água.
Era frio, mas ele permaneceu ali por uns segundos. A sensação de estar suspenso na água o confortava, o frio o dominou bem rápido, e quando seus pulmões clamaram pelo ar, ele emergiu e fez mais esforço do que um dia fora necessário para subir ao barco outra vez.
Enrolado na camisa molhada, encolhido no fundo da canoa, ele chorou. Não um choro de medo ou desespero, como antes, mas um choro que era preenchido de angústia, decepção e revolta. Pela primeira vez naquele momento ele viu como era fraco. A fome apertou-lhe as entranhas.
- Deus, me ajude.

Acordou com o som de batidas secas na madeira da canoa. Era de manhã, uma manhã fria e com muitas nuvens, o sol parecia ainda não ter surgido. Ele se sentou na canoa e olhou pela borda. Não acreditou quando viu um coco grande e verde boiando a um metro da canoa. Olhou ao redor, mas não havia terra visível. Se inclinou para fora da canoa, tendo o cuidado de não virar, e apanhou o coco com as duas mãos.
No momento em que se sentou, foi tomado por uma alegria calada, era grande mas não o bastante para vencer o desgaste do seu corpo. A pele queimada de sol adia e o estômago grunhia. Ao procurar uma maneira de abri-lo, lembrou-se da caixa de anzóis que ele deixara na popa. Abriu-a e viu um rolo de linha, três anzóis e uma faca.
Foi difícil manter o controle enquanto abria o coco, controle para não se cortar tamanha era a maneira como suas mãos tremiam. Por fim, conseguiu extrair a pequena bola marrom e peluda dali de dentro, beber a água por um dos buracos naturais que havia ali, que lhe desceu com um frescor revigorante, e comer a massa branca e gordurosa que havia no interior. O sabor mais doce e agradável que já experimentara na vida.
- Obrigado, meu Deus. – disse ele ainda com fome, mas sabendo que não morreria.
Ao meio dia ajuntavam-se nuvens cinzentas cobrindo o sol e uma chuva fina caiu sobre a canoa. O mar permaneceu quieto, apesar da chuva, e o jovem usou os dois lado do coco vazio para recolher a água e beber. Bebeu até fartar-se da água e passou a usar a chuva para se lavar do sal que queimava sua pele. Após alguns minutos a chuva cessou e as nuvens se dissiparam. O jovem se deitou na canoa com um largo sorriso no rosto e exclamou mais uma vez.
- Obrigado, meu Senhor.
Depois disso ele se sentou à popa e cantou uma antiga música que basicamente dizia que Deus é grande e fiel. Enquanto cantava, teve paz. Tinha sim consciência da situação em que estava, mas estava feliz.
Passou metade daquela tarde sentado e de boca fechada. Quando a abriu, foi para bocejar, ele notou que sentia falta de falar. Lembrou-se das edificantes conversas com seu pai, aprendendo sobre a vida, e das brincadeiras com seus irmãos adolescentes. Se sentiu sozinho, de repente, de uma vez só a falta que aquelas pessoas faziam para ele caiu com peso. Voltou a pensar em nunca mais voltar, e é claro que pensou nela.
Sentia como se fosse impossível viver longe dela, sem ela, e foi tomado por uma urgência, necessidade, de voltar para casa. Sentiu, então, raiva. Raiva por ter sido tão idiota de ter ido parar ali, raiva de toda aquela água que o impedia de chegar até sua amada.
E mais raiva ainda por não poder fazer nada.

Pouco antes do anoitecer ele sentiu fome outra vez e decidiu controlar os ânimos para usar a linha e os anzóis. Um deles tinha o formato de um pequeno peixe colorido. Ele sabia fazer aquilo, mas não tinha vara de pesca, então resolveu segurar a linha com as mãos.
Enquanto esperava com fome e paciência, sua mente trouxe-lhe à memória a história de um homem chamado Santiago, que pegara um peixe tão grande quanto seu barco apenas com uma linha e anzol. Só não tinha certeza se era algum velho da vila ou o conto de um livro na casa de sua avó.
Estava pensando na moça quando o sol tocou a água e um peixe abocanhou a linha. O rapaz foi pego de surpresa e a linha correu queimando sua mão. Ele segurou firme com as duas mãos, mas o peixe foi mais forte e o jovem caiu com o peito na borda da canoa. Enquanto se recuperava da dor, o peixe mergulhou nas profundezas escuras e levou toda a pouca linha que ele tinha.
Estarrecido, ele se pôs de pé e gritou, incrédulo, revoltado, e como quase caiu, voltou a se sentar.
- Queria estar em casa, queria estar com ela.
Seu estômago roncou alto e ele voltou a chorar, enquanto via o sol se pôr numa beleza que o rapaz não estava capaz de apreciar.
- O que eu faço, meu Deus?
De olhos fechados, enxugando as lágrimas que não paravam de descer ele repetia em sua mente as palavras que dissera em voz alta, quando um som estranho foi acompanhado de um leve tremor no barco.
Ainda mais surpreso que quando o coco surgira boiando ao redor da canoa, o jovem ficou ao ver um peixe no barco.
Pequeno e cinzento, de corpo esguio.
Enquanto ainda olhava, outro peixe saltou de dentro da água para dentro do barco e o jovem se assustou.
Cinco minutos depois ele, sorrindo e chorando ao mesmo tempo, pegou os dois peixes. Usou a faca para tirar suas nadadeiras e vísceras e comeu a carne crua. A fome satisfeita, ele deitou-se  sob as estrelas cantando que Deus é grande e fiel.
E dessa maneira os dias se passaram. Chovia ao meio dia e antes de anoitecer, e o jovem bebia água e se banhava, vez ou outra um peixe pulava dentro do barco. Ele tratava dos peixes e os deixava secar ao sol, a carne molhada na água do mar ficava salgada quando o sol a secava. O rapaz agradecia a Deus, e entre uma ou outra lágrima, cantava.
Ele se ocupou de marcar os dias e as horas, e mais ou menos no décimo dia os peixes e a chuva se tornaram meio que banais. Não percebia, mas às vezes não se lembrava de agradecer.
Se lembrava muito da moça, era a maior parte do dia a que ele gastava pensando nela e dizendo a si mesmo como ela era sua vida e só ela podia fazê-lo feliz.

Um dia daqueles chegou com um sol violento. O céu se privou de nuvens, o meio dia foi terrível. Não havia onde se esconder. A sede e a fome assolavam o jovem. Sentiu raiva daquele céu aberto que já não aguentava mais olhar, da predominância de azul para todos os lados que olhasse, daquele balanço débil e terrível da canoa no mar de poucas ondas, do silêncio, da canoa, da solidão, de como era injusto ele estar ali no meio do nada.
No momento em que pensou isso se sentiu constrangido outra vez, sabia que seu passado não era muito honroso ou inocente. Mas evitava pensar nisso.

A tarde acabava, o sol ainda castigava, e nenhum peixe pulava.
Parecia que a fome que sentia agora era maior que antes de aquilo tudo. Um vento forte começou a soprar e com ele, ondas. Começaram ignoráveis, eram baixas, mas com o tempo iam sendo capazes de perturbar o jovem. A fome e o balanço da canoa causavam vertigem no rapaz e ele ficou sentado na popa reta, imóvel. Por várias horas ele viu a proa dançando na sua frente, até anoitecer.
Em um momento o balanço causou enjoo, e ele pôs a cabeça para fora da canoa para vomitar. Mas não tinha nada para vomitar, não comia nem bebia nada havia quase vinte e quatro horas, ou talvez mais. O resultado foi uma série de dolorosos espasmos no abdome e uma pressão terrível na cabeça.
Foi aí que ele ergueu a voz, seus pulmões fracos lutando para que gritasse.
- O que eu fiz? Não sigo você? Há tantos que nem acreditam e ainda assim vivem bem! Eu estou há mais de dez dias perdido no mar, sem minha família, o que...
No entanto, antes que suas palavras ficassem piores, uma súbita onda de dois metros virou a canoa.
O jovem caiu sem noção alguma de onde era a superfície, se debateu desesperado dentro do frio e da escuridão.
A canoa se fora.
Ele nem sabia para onde nadar.
Se antes não se considerava tendo muito, ele agora nem ar tinha para respirar. Bebeu água, gritou para ninguém ouvir, tentou abrir os olhos mas não conseguiu.
“Não te lembras de Jó, que tanto sofreu e não ousou se levantar contra mim?”
O pensamento surgiu em sua mente com um peso maior que a água sobre ele.
“E o povo no deserto que tantos milagres e sinais viu, e ainda assim murmurou. Tuas palavras não se diferem daquele povo rebelde.”
Estava suspenso na escuridão e viu como era fraco e dependente. Se sentiu outra vez estúpido, dessa vez como um ser insignificante, berrando contra o pé que pode esmaga-lo com tanta facilidade.
“Não te lembras dos profetas e apóstolos que nada tinham, nada podiam, mas foram resgatados de prisões, sobreviveram a naufrágios, perseguições, desertos e animais venenosos? Acaso te esqueces que minha graça te basta?”
Sentiu então uma perturbação na água ao seu redor, sentiu algo enlaça-lo na cintura e a superfície apareceu. O jovem emergiu aspirando todo o ar que podia.
Estava confuso, viu uma espécie de cesto onde foi posto. Viu luzes ofuscantes e óculos de mergulho. Olhou para o alto, uma enorme massa escura cobria as estrelas, estava tonto, sentiu seu peso deixando a água.
Deitado, de barriga para cima.
Vozes gritavam ao ritmo em que era içado.
Foi lançado num chão áspero, mas firme.
Mãos quentes tocavam-no, examinando seus olhos, tocando-lhe o peito, pulso e pescoço e então o jovem desfaleceu.

O Sargento Enfermeiro Paulo tinha visto muitas coisas nos vinte e cinco anos em que servira à Marinha do Brasil. Ouvira durante aquele dia os homens das máquinas alvoroçados, parecia que o leme do navio estava travado e navegaram por horas no mesmo rumo, sem conseguirem reverter a situação. Estavam já a quase novecentas milhas da costa quando o vigia da proa avistou uma canoa com um homem sentado. Antes que o navio se aproximasse, aquela minúscula embarcação virou e os mergulhadores se lançaram na água e trouxeram o homem para bordo.
Ele passava bem. Sentado numa cadeira, o Sargento observava o jovem que dormia no leito e dizia repetidamente:

- Obrigado, meu Deus, você é tudo pra mim.


De: Anderson Câmara

sexta-feira, 11 de julho de 2014

A Moça

A moça é bela
tanto que desespera
o jovem de fraco coração
mesmo que este grite: Não!

A moça sorri
O jovem é enlaçado
Desvia o olhar
tenta voltar a si
E é outra vez derrubado

A moça é o pico da montanha
O jovem caído tronco ao relento
Ela é de beleza tamanha
Que o jovem queria ser vento

A moça é violenta tormenta
Ele escondido em sua fortaleza
Ela os alicerces arrebenta
Não resiste, perde a destreza

A moça é o distante
         e inalcançável pico.
O jovem apenas contempla,
         derrotado, destruído.




Anderson Câmara 21/11/13

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Tesla

Então... falemos um pouco sobre ciência. Bem pouco mesmo.
Sério, não é ironia, escrevo sem pesquisar, talvez eu publique algo mais completo sobre Tesla no futuro.

Nikola Tesla. Engenheiro elétrico, nascido num desses países pequenos da Europa, que está sempre em alteração de mapas, durante uma tempestade de raios.
. Desde pequeno já era um gênio, pode-se dizer, e desde sua juventude fala-se de sua intensa dificuldade em se relacionar com seres humanos. Gênios são pessoas difíceis, mas Nikola Tesla não suportava o toque humano, tinha aversão a pessoas, praticamente. A odisseia empregada pelo inventor começa com sua admiração por outro inventor, que vivia na América, chamado Thomas Edison.
Talvez eu deva falar que todos sabem quem é Thomas Edison, o inventor da lâmpada e de outras coisas menos conhecidas, como o fonógrafo. Edison é tratado como um revolucionário, que tirou a humanidade das trevas e esticou nossas noites... e revelou o papel de parede apodrecido que se escondia da luz solar. Mas o verdadeiro gênio aqui (estou entregando o clímax da história) é Tesla. Aquele velho slogan, "criatividade é 10% de inspiração e 90% de transpiração", é original de Thomas Edison, que de fato trabalhava incessantemente, vendo suas repetidas tentativas falharem, até exaustiva e triunfalmente conseguir o resultado esperado. Mas Tesla não... Tesla era o gênio que Edison dizia não existir.
Aos conhecedores do assunto, não atentem à ordem cronológica, que pode ser terrivelmente falha neste tópico.
Tesla tinha um sonho que era viajar para o outro lado do Atlântico e conhecer Edison. E de fato conseguiu, se tornando mais um soldado nas tropas da General Eletric. Edison fez com ele um acordo: se Tesla melhorasse seus dínamos, daria a ele uma grande soma em dinheiro. E, é claro, Tesla trabalhou e atingiu a melhora pedida por Edison, que se surpreendeu pelo resultado do jovem. Tesla cobrou o dinheiro, e Edison respondeu como quem responde a uma criança enganada, que acredita que realmente se torna invisível se puser um certo chapéu ridículo. Tesla, revoltado e decepcionado, deixou para trás o inventor da lâmpada e começou a épica batalha entre sua Westinghouse e a General Eletric de Edison.


Edison pregava a distribuição de energia por corrente contínua, Tesla provava que seu sistema trifásico de corrente alternada era muito mais eficiente, menos espaçoso e econômico. Edison foi tão humilhado que chegou a apelar na concorrência, dizendo, por exemplo, que o surto de loucura por parte de um elefante num zoológico foi causado pelo fio de corrente alternada que havia suspenso próximo à jaula. Fez com que a primeira execução numa cadeira elétrica fosse realizada com corrente alternada, batizando o desumano processo de "Westinghousing".







Edison criou a lâmpada incandescente, em que um filamento feito de um metal chamado tungstênio aquecia por eletricidade e se tornava brilhante. Nesta lâmpada, a mais barata que existe, mais de 90% da energia consumida é convertida em calor, e o restante em luz. Já viu como uma lâmpada de 60Watts fica quente? Em contrapartida, Tesla criou a lâmpada fluorescente, aquela tubular, branca... luz fria. Muito mais eficiente.





Certa vez a Westinghouse organizava um evento aberto a grande público. Em represália, Edison cobrou seus direitos de patente e proibiu a empresa de usar na feira as lâmpadas que ele tinha inventado. Para resolver o problema, Tesla simplesmente inventou outro tipo de lâmpada. :)
Enquanto caminhava pela rua, Tesla se abaixou e desenhou na terra... era o primeiro desenho do motor de indução, esse que você usa na bomba para puxar água para a caixa d'água.


Tesla, no início do século XX, combatia a queima acelerada de combustíveis, pois sabia que se o mundo se tornasse dependente desta forma de geração de energia, estaríamos com sérios problemas quando começasse a acabar. Neste período ele tinha o projeto de um carro elétrico, que foi esmagado pelas soberanas bebedoras de combustíveis. Carro elétrico hoje é tratado como novidade.
Tesla chegou a criar um sistema de transmissão de energia pela terra... sem fio, sem poste, sem transformador, sem usina hidrelétrica, sem usina termonuclear, sem concessionária de energia; sem conta de luz.

Ele criava projetos e os mantinha na mente, sem passar para o papel. Muito do que inventou foi patenteado por pessoas que trabalhavam com ele e roubaram seus projetos.
Até Einstein ele tinha ousadia para criticar, dizendo que ele era vago em suas teorias. De fato, Tesla era um gênio de precisão, enquanto Einstein exaltava a imaginação.

Infelizmente, apesar de ter sido tão necessário para o mundo moderno que temos hoje em dia, Tesla terminou mal em sua própria história. Morreu pobre, num apartamento em New York (se não me engano), na companhia de pombos... que ele prezava grandemente.
Seu nome só volta a ser dito quase um século após seu tempo.
Certa vez ele fazia uma experiência com ressonância, em que pretendia vibrar uma lâmina. O laboratório foi invadido e seu equipamento destruído, pois a experiência provocou um terremoto que agitou toda a ilha de Manhatan. Há relatos de um projeto chamado "O Raio da Morte", em que uma máquina disparava um fino raio luminoso que literalmente desintegrava aquilo que o atingia, um feixe de partículas subatômicas que desmontava o alvo a nível molecular... Este projeto, diz-se, ele escondeu tornando impossível sua reconstrução.



Estes dois episódios deram a ele a imagem de cientista louco, que foi o que inspirou o personagem do cientista louco nos quadrinhos dos anos 40, com suas máquinas de terremoto e raios desintegradores.

Houve muito mais que demonstra o quão peculiar era a mente deste homem, incomum o bastante para que até em seus aspectos bizarros ele seja admirado. Ouso, e muitos comigo também ousam em dizer, que Nikola Tesla foi dono da maior mente que já houve no mundo moderno. Seu legado está mais presente no nosso dia a dia do que imaginamos, mas são outros que receberam o título de gênios e inventores ao longo do século. Tesla viveu sua vida fazendo o que amava, sua ciência era sua arte, e o modo como o fazia era belo e apreciável como tal. Suas iniciativas moldaram nosso mundo, mas foi abafado por homens e organizações cujos interesses de sucesso econômico eram maiores que as necessidades do povo... mais ou menos como ocorre hoje.



terça-feira, 8 de julho de 2014

Aurora da Vida

Ó aurora da vida, raios do sol que clareiam a maturidade.
Tão breve vens, ainda mais te esvais.
Tão rápida e fugaz
como, à manhã, o breu se torna claridade.
E vens bela e fresca, para não vir outra vez mais.

Tu, aurora da vida, que clareias as paisagens da alma.
Tu, que fazes da madrugada infante lembranças dum dia adolescente.
Tu, que as novas alegrias e medos do quase homem causas.
Tu, que alumias as formas do amor para os olhos de sabedoria ascendente.

Quisera poder esperar outra adolescência
amadurecida meninice
como quem espera outra alvorada.
Mas quando a tarde passar e cair a noite da velhice,
minha aurora ainda  não terá sido abandonada.

Anderson Câmara 2013

segunda-feira, 7 de julho de 2014

E o bloqueio?

Escrever... Tão prazeroso, tão trabalhoso.
Uma mente não deve apenas absorver, deve também produzir... Einstein, parece, disse algo parecido com isso. A escrita, o maior legado dos Fenícios deixado para nós, é a forma de arte mais praticada, e o tipo que mais se funde com o aspecto de ciência. Qualquer computador é capaz de vasculhar seu banco de dados e combinar as palavras para montar uma informação... mas somente um humano é capaz de fazer isso e provocar sorrisos, medo, lágrimas... É incrível como algo tão mecânico, tão dependente de normas e regras, pode ao mesmo tempo ser tão perfeitamente capaz de espelhar a alma humana, que se segue alguma norma ou regra ainda não compreendemos.
Dominando cada vez mais a escrita, somos cada vez mais capazes de detalhar o que se passa em nossa mente, ou naquele centro de emoções e vontades que os românticos chamam de coração. E, particularmente, a língua portuguesa, penso eu, é a mais vasta e completa no que se diz respeito a variedade de termos, palavras e expressões... um texto originalmente gerado em português perde muito, empobrece lamentavelmente, quando traduzido para o inglês. E mesmo conhecendo intimamente o idioma, mesmo dominando com maestria as técnicas de escrita, mesmo sendo um hábil manobrador de sinônimos e termos, os que se arriscam no hábito da escrita, seja prazerosa, seja por ofício, seja pelos dois, ainda caem no temido e tenebroso vale do bloqueio literário.
Como pode ser possível? Conhecendo todas as técnicas da escrita, se tornar inesperadamente incapaz de escrever. O desafortunado escritor se torna um computador orgânico, apenas fazendo vazias combinações no seu campo de dados, sem ser capaz de exercer sua tão orgulhosa criatividade.
Não creio em manuais para se tornar um escritor, não creio na eficiência de seguir as técnicas de outros escritores, cada mente, apesar de termos a mesma forma, funciona de forma diferente. Ou não, talvez todos funcionem da mesma forma, mas cada um compreende a si mesmo à sua maneira. E, portanto, o bloqueio literário nada mais se torna que uma falta de compreensão de si mesmo, dos próprios pensamentos.
Há quem escreva sobre qualquer coisa, há quem só escreva um tema... eu escrevo até sobre não conseguir escrever, escrevo sobre o nada, escrevo sobre o parcialmente tudo... não aceito o bloqueio literário, apenas escrevo.
O que fazer quando o bloqueio surgir? Descansar? Forçar? Se submeter a alguma situação que te inspire?
Eu apenas digo... compreenda-te.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

(conto) Coleira e Churrasco

Era uma casa simples e média, num bairro como qualquer outro da baixada fluminense, onde viviam dois pequenos animais domésticos, também simples e típicos. Um deles era um belo gato siamês de cinco anos, olhos azuis, branco. De patas, rabo, focinho e orelhas pretas. As unhas se mantinham afiadas de tanto arranhar o cimento do quintal. Nesses cinco anos nunca tinha pego um rato, mas gostava muito de brincar com insetos, como baratas, e perseguir uns pardais que ainda sobreviviam à urbanização graças a três mangueiras plantadas no quintal de trás.
O outro animal era um cachorro grande, um pastor belga negro e de pelo macio e volumoso. Tinha doze anos e já estava ficando velho, alguns pelos brancos surgiam aos poucos no seu focinho comprido.
Os dois eram os únicos animais daquela casa, e tinham como dona uma senhora amável, cuidadosa e atenciosa. Ela sempre acordava cedo para limpar a sujeira que o gato fazia durante a noite pela casa e a do cão nos fundos do quintal. As tigelas de água e ração estavam sempre limpas, a ração nunca faltava, assim como nunca lhes faltava amor e carinho por parte de sua dona. Ela tinha ficado viúva havia poucos anos, seu esposo era um comerciante local que falecera em paz na sua própria casa, também sempre paciente e atencioso. Naquela época o gato era novo e passava a maior parte do tempo brincando com os objetos da casa e até com o cão. Tinha levado um tempo, mas os animais se acostumaram um ao outro.
Depois que o senhor morrera, a dona ficara menos sorridente, porém igualmente cuidadosa. O cão sempre lhe respondia as carícias na cabeça com um abano de cauda e sempre deitava ao seu lado enquanto ela sentava na poltrona da sala de estar e se lembrava de seu amado companheiro que a tinha deixado. O cão sempre fazia questão de mostrar que ele ainda estava lá com ela, enquanto o gato tirava uma longa soneca. O cão sempre fazia questão de recebê-la com alegria enquanto o gato se esfregava nas suas pernas quando ela reabastecia sua tigela de comida.O cão sempre lhe chamava para brincar no quintal para tirá-la daquela solidão soturna enquanto o gato dormia sobre a geladeira. Quando os filhos da senhora chegavam o cão os recebia com igual alegria, enquanto o gato pulava o muro atrás de uma fêmea ou alguma coisa para comer pelo caminho.
Em um dia de sol a senhora não quis levantar. O cão ficou sentado ao lado da cama com um olhar triste e curtos e agudos uivos, chamando-a para descer e tomar café. Mas ela apenas o olhava com carinho e lhe alisava os pelos entre as orelhas. O gato levantara e descobrira que não havia comida na sua tigela, então pulou o muro. E a senhora ficou lá. Assim como seu cão.
A campainha tocou, o cão partiu, descendo as escadas apressado em direção à porta. Sabia que eram os filhos da dona, e ele tinha que avisá-los. Podia ver seus rostos olhando-o pela grade do portão, e estranhando o comportamento, ele nunca latia daquele jeito quando chegavam. Com muito esforço a dona desceu e atendeu a porta. Os três, sentados aos sofás na sala, conversavam enquanto o cão deitava aos pés da dona.
-Como está a senhora? – perguntou o rapaz.
-Estou bem, querido, não se preocupe.
-Não está, mamãe. A senhora tomou café hoje? – perguntou a moça. A dona desviou os olhos para o cachorro.
-Jantou ontem? – perguntou o rapaz.
-Não, querido. – admitiu ela – Não consigo comer.
A conversa tomou um rumo mais alvoroçado, em que o rapaz mencionava metê-la num carro e levá-la ao hospital mesmo que fosse à força. A irmã o convenceu a deixar a mãe em paz e trazer o médico à casa. E o cão ouvia preocupado, ainda mais preocupado.
A dona passara o dia todo de cama, e não comeu. A filha ficou cuidando dela enquanto o cão tentava consolá-la e não saía do quarto. O médico viria de manhã. À noite a filha adormecera ao lado da mãe e o gato chegou.
-Onde você estava – perguntou o cão – Ela está doente.
-Sério? Quer dizer que ela não encheu minha tigela? – disse o gato. – Ainda bem que já comi um rato na rua.
-Não seja mentiroso. E você devia se importar mais com ela.
-Que isso, os filhos vão nos adotar, não vamos ficar sem donos, sempre tem alguém para cuidar de nós, você não sabe quantas crianças querem me levar para casa.
-Você vai é virar churrasco! – disse o cachorro rosnando e correu atrás do gato, este pulou pela janela direto para o galho de uma das mangueiras.

Pela manhã, antes da filha acordar, antes do médico chegar, a dona se foi. O cão passara a noite inteira sentado ao seu lado, e quando ela partiu ele começou um triste e longo uivo. O gato entrou pela janela.
-Você quer ficar quieto? Eu estava dormindo!
-Ela se foi. – disse o cão com toda sua tristeza.
-Tudo bem, os filhos vão nos adotar.- insistiu impaciente.
O cachorro ignorou e continuou seu lamento. O uivo acordou a filha e quando ela tentou acordar a mãe uniu-se ao luto do cachorro.

Mais tarde vieram buscá-la. O cão ficou o tempo todo deitado ao lado da poltrona, agora vazia enquanto o gato sumia novamente para arrumar alguma coisa para comer. Um dia depois, após o enterro, a filha apareceu na casa e pôs algumas coisas numa caixa e levou para o carro. Roupas, fotografias, e uns objetos de decoração e utensílios de cozinha, enquanto o gato tirava mais uma longa soneca. A filha voltou, pôs uma corrente no pescoço do cão e chamou:
-Vamos, Nicolas.
O cão se levantou, e a passos curtos e lentos, cabeça baixa e orelhas murchas, seguiu a filha da dona até o carro.
Durante a tarde o filho apareceu com um amigo e levou outras coisas. O amigo viu o gato dormindo, falou alguma coisa com o filho da senhora e pegou o gato pelo couro das costas e o enfiou numa gaiola. O gato acordou assustado, mas não pôde fugir. Enquanto saía murmurava consigo mesmo:
-Hoje tem churrasco.



FIM

Novecentos.



terça-feira, 1 de julho de 2014

Fogo e Mar

Persigo-te
com olhos de trovador
Escapo-te
quando encontro teu fulgor

Chama deslumbrante
brilhando sinuosa
é a beleza de teu semblante
Chama perigosa

Brilhante como o oceano
ondulando sob o luar
prateado, encantando
ameaçando-me tragar

De longe sou tragado
como a de ti necessitar
Mas estremeço ao teu lado
como diante do bravio mar

Como a proa engolida pela vaga
Como a moça dos olhos de ressaca
De pé, me faço valente e resisto
Em sonhos, tu me mostras: fui vencido.



Anderson Câmara 21/11/13