Primeiro, senti o silêncio. Os ruídos
imperceptíveis da vida urbana sumiram, e então se tornaram perceptíveis. Fornos
industriais com seu vibrar grave, música em diferentes pontos do bairro, vozes
de pessoas em bares e lanchonetes, tudo isso se mesclava e se tornava um único
tom ressonante que zumbia no fundo do cotidiano. Não havia isso mais, a vida
moderna, acostumada ao barulho constante, achou estranho a lacuna deixada, esse
vazio invisível e tão presente, tão cheio e pesado.
Estranhava-se ouvir as vozes dos
vizinhos, o baque seco do copo na mesa, as gotas de chuva do beiral, o som da
própria respiração. A gente tinha esquecido o som da vida real, de tão
habituados às televisões fervilhando, aos aparelhos elétricos chiando e aos
celulares apitando. Depois de estranhar, o silêncio virou uma visita agradável.
Porque a gente descobriu que toda essa parafernália moderna, que serve para
facilitar a vida, acaba por muito estressar a mente e o corpo já estressados
depois de um dia de trabalho e as inevitáveis três horas de trânsito. E esses
sons individuais, que finalmente tiveram vez de dizer que existem, acabaram por
receber grande apreciação.
O silêncio ressaltou o quão agradável
é viver simplesmente. Mas a mente reage á falta de agitação como um drogado em
abstinência, acaba sofrendo da própria solução por que tanto clama.
Depois, a falta de tecnologia fez
lembrar como a gente esquece que o prazer maior da vida é conversar um pouco
com os companheiros de lar, é a doce expectativa da janta ficando pronta, é escrever
em papel, sentindo a ponte esferográfica roçar na aspereza da folha a cada
letra construída.
Viver devagar estica a vida...
03FEV2015
Anderson Câmara
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