quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Enfim... Vivo


Mais um conto que nasceu na taverna literária do Baratos da Ribeiro



Deitado na cama, ele fitava a escuridão. Seu olhar penetrava as trevas e as trevas penetravam sua mente. Em algum lugar daquele mar negro, um relógio de parede tiquetaqueava movido por duas pilhas secas. Tinha certeza que podia contar até três entre um e outro estalido da pequena máquina.
Tudo corria tão devagar...
Tudo era tão longo...
Tão sem sabor...
Tão cru...
Despido.
Sabia que aquele momento só não andava mais devagar por causa do relógio. Era o que impedia que seu coração explodisse no meio daquela agonia que pesava sobre ele e o pressionava contra a cama. Por fora, era apenas um ser humano aparentemente descansando, mas a angústia o assolava por dentro como uma tempestade que parte os galhos de árvores e levanta as poeiras. A angústia que lhe aflorava era acompanhada da sensação de a vida não ter mais sentido. Enquanto a falta de luz apagava a cor das paredes, sem luz sua vida se revelava totalmente vazia e despropositada; chegava a contorcer a face de pavor quando pensava que era apenas uma excelente obra do acaso, como as descritas por Darwin. Achava até injusto ter uma essência tão leviana e ser provido de consciência, era injusto sofrer por existir sem propósito.
Estava sozinho.
Queria ver rostos sorrindo quando ele anunciasse sua angústia ao mundo, queria ver polegares que lhe aprovassem as palavras com que se expressasse, queria ver existências semelhantes à dele adulando-o pelos poucos sopros que sua própria existência provocava no infinito universo. Mas não havia ninguém, ninguém entraria por aquela porta, ninguém o chamaria, ninguém perguntaria se estava tudo bem, ninguém lhe daria boa noite quando se cansasse de lamentar e a escuridão finalmente lhe injetasse sono.
Se mexeu.
Ergueu os braços para o alto e os sustentou até onde conseguisse aguentar. Até os braços finos de sedentário começarem a estremecer e queimar, e assim ele se sentia vivo. Mas de que adiantava existir se não fizesse ondas no mar do tempo quando por ele passasse?
Ergueu os braços novamente, dessa vez energicamente, e com raiva mostrou os dedos médios para a escuridão. Como antes, as trevas o engoliram e zombaram. Mas ele os agitou, mandando a escuridão se ferrar com todo o ódio que sentia por valer tão pouco no mundo.
Então as luzes se acenderam.
A cor das paredes voltou, alarmes na vizinhança soaram, cães latiram, crianças exultaram. A luz o surpreendeu com os dedos médios voltados para ninguém, e se sentiu subitamente idiota.
E aí o peito que estava agitado de pavor, se agitou de excitação.
Saltou da cama, arrastou a cadeira e se sentou diante do computador, vigiando ora o modem que se recuperava da queda de energia, ora o monitor que acendia e revelava as várias e lentas etapas da iniciação da máquina. Observava-os agitado, ansioso, sedento, ensandecido; como quem apreensivamente observa a heroína fervilhando na colher.
Enfim... vivo.


Anderson Câmara 06FEV2015

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