Mais um conto que nasceu na taverna literária do Baratos da Ribeiro
Deitado na
cama, ele fitava a escuridão. Seu olhar penetrava as trevas e as trevas
penetravam sua mente. Em algum lugar daquele mar negro, um relógio de parede
tiquetaqueava movido por duas pilhas secas. Tinha certeza que podia contar até três
entre um e outro estalido da pequena máquina.
Tudo corria
tão devagar...
Tudo era tão
longo...
Tão sem
sabor...
Tão cru...
Despido.
Sabia que
aquele momento só não andava mais devagar por causa do relógio. Era o que
impedia que seu coração explodisse no meio daquela agonia que pesava sobre ele
e o pressionava contra a cama. Por fora, era apenas um ser humano aparentemente
descansando, mas a angústia o assolava por dentro como uma tempestade que parte
os galhos de árvores e levanta as poeiras. A angústia que lhe aflorava era
acompanhada da sensação de a vida não ter mais sentido. Enquanto a falta de luz
apagava a cor das paredes, sem luz sua vida se revelava totalmente vazia e
despropositada; chegava a contorcer a face de pavor quando pensava que era apenas
uma excelente obra do acaso, como as descritas por Darwin. Achava até injusto
ter uma essência tão leviana e ser provido de consciência, era injusto sofrer
por existir sem propósito.
Estava
sozinho.
Queria ver
rostos sorrindo quando ele anunciasse sua angústia ao mundo, queria ver
polegares que lhe aprovassem as palavras com que se expressasse, queria ver
existências semelhantes à dele adulando-o pelos poucos sopros que sua própria
existência provocava no infinito universo. Mas não havia ninguém, ninguém
entraria por aquela porta, ninguém o chamaria, ninguém perguntaria se estava
tudo bem, ninguém lhe daria boa noite quando se cansasse de lamentar e a
escuridão finalmente lhe injetasse sono.
Se mexeu.
Ergueu os
braços para o alto e os sustentou até onde conseguisse aguentar. Até os braços
finos de sedentário começarem a estremecer e queimar, e assim ele se sentia
vivo. Mas de que adiantava existir se não fizesse ondas no mar do tempo quando
por ele passasse?
Ergueu os
braços novamente, dessa vez energicamente, e com raiva mostrou os dedos médios
para a escuridão. Como antes, as trevas o engoliram e zombaram. Mas ele os
agitou, mandando a escuridão se ferrar com todo o ódio que sentia por valer tão
pouco no mundo.
Então as luzes
se acenderam.
A cor das paredes
voltou, alarmes na vizinhança soaram, cães latiram, crianças exultaram. A luz o
surpreendeu com os dedos médios voltados para ninguém, e se sentiu subitamente
idiota.
E aí o peito
que estava agitado de pavor, se agitou de excitação.
Saltou da
cama, arrastou a cadeira e se sentou diante do computador, vigiando ora o modem
que se recuperava da queda de energia, ora o monitor que acendia e revelava as
várias e lentas etapas da iniciação da máquina. Observava-os agitado, ansioso,
sedento, ensandecido; como quem apreensivamente observa a heroína fervilhando
na colher.
Enfim... vivo.
Anderson
Câmara 06FEV2015
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