domingo, 28 de junho de 2015

A Bacia D'Agua

"Quero morrer", disse o aprendiz, "nada mais nesta vida privada de prazeres e entregue a inúteis reflexões me prende ao autômato mundo.
"Queres morrer", falou o mestre, "tens mesmo tanta certeza?"
"Tenho... o vislumbre da morte me é mais esperançoso que a longuidão sôfrega do viver."
"Então, se eu te oferecesse a morte, a aceitarias de bom grado?"
"Se me empurrasses montanha abaixo, não o impediria, nem lutaria, mestre."
O mestre se levantou e deixou seu contemplativo aprendiz à beira do precipício onde costumava ensina-lo. Distraído e soturno, o jovem se espantou quando o velho retornou trazendo um jarro d'água e uma bacia nas mãos. Deitou a bacia entre eles, sentou-se junto ao jovem e despejou a água na bacia.
"Deve haver um palmo de água na bacia. É o suficiente."
O aprendiz olhou o velho, confuso, que lhe apresentava a bacia com um gesto de mão.
"Mestre..."
"Sim. É o suficiente para o que tanto desejas. Mergulhe o rosto na água pelo tempo necessário e morrerás."
O jovem permaneceu parado, olhando da água rasa ao rosto sereno de seu mestre.
"Sabes por que esta ideia parece tão inconcebível?" disse o mestre, "O homem é feito para viver. Mesmo sendo frágil, é muito difícil provocar a morte não natural. Um nadador que esteja desapegado à vida e fica preso sob uma rocha, imerso numa caverna inundada, aceita seu destino por que não pode mesmo fazer nada. Mas é preciso uma imensa vontade e firme determinação para morrer afogado em um palmo de água. Isto por que entrarás em insuportável agonia e teu corpo desobedecerá tua determinação de morte."
O jovem estremeceu.
O velho continuou.
"Estás sem ânimo, apenas. Pensas que a única forma de escapar é passando da vida para a morte. Estás deveras ansioso, pensas que podes resolver como quando teus escritos falham e os queimas para iniciar outro. Mas não é assim com tua existência, a vida é preciosa, e não existe outra. Portanto, se abominas tanto esta vida e desejas tanto a morte, afoga-te nesta bacia."
O jovem inclinou-se sobre a água quieta, meteu a face até os olhos, bebeu da água e retornou à postura.
Ambos contemplaram juntos aquele crepúsculo sobre as montanhas e se retiraram à refeição.

Anderson Câmara

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